Domingo, 21 de outubro de 2012.
Vi Mort Cinder caminhando pela Rambla de Pocitos.
Inconfundível sobretudo cinza, cabelos brancos, o rosto desenhado a golpes de gilete. Soube, de imediato, que o acaso me brindara com o privilégio de testemunhar o fim de uma história, pois, como disse o próprio Oesterheld, tudo começa com um objeto muito antigo no antiquário de Ezra Winston.
Escravo, guerreiro, presidiário, testemunha, talvez, pensei, dos crimes de Whitechapel, cujo autor ele teria revelado a Eduardo Cuitiño, o matemático uruguaio.
Sei que me pareceu um símbolo a figura do imortal cortando a bruma, junto à praia, contra a corrente do rio de mulheres que corria na direção oeste.
Há quanto tempo, me interroguei, o homem eterno, estaria perambulando por Montevidéu?
Teria degustado o vinho local?
Teria comido um assado no Mercado do Porto?
Sorri ao imaginá-lo tirando uma aes grave do bolso para pagar o almoço.
Teria visto a dança dos corpos nus femininos pintados de laranja em frente ao Palácio Legislativo?
E os jornais, teria lido?
O que pensaria o homem de infinitas encarnações sobre a interrupção da gravidez?
Ao homem que ressuscita lhe importariam as diversas formas de nascer e de morrer?
Para o homem que aprendeu a viver, o que significa a vida?
Entre os pontos de interrogação, como entre colunas de um prédio em ruínas, vi Mort Cinder desaparecer,
No meio da neblina.
IRINEU BARRETO é poeta e ensaísta. Nasceu em Belém do Pará e reside em Brasília. É diplomata de carreira e já serviu em Montevidéu e em Lisboa. Em 2004, publicou sua primeira coletânea de poemas, Páginas Poluídas. Sua segunda coletânea, Rancor de Verão, está sendo finalizada para publicação.