Beatriz Vigonoli nasceu em Rosário, Argentina, em 1965. Atua como poeta, romancista, jornalista e tradutora. Também trabalha como crítica de arte, tendo sido colaboradora em diversos jornais impressos argentinos como o Clarín, Buenos Aires Herald e La nacion. Entre seus mais de dez livros publicados, destaca-se Arbol Solo, Soliloquios e Kelpers. Seu trabalho ainda é inédito na língua portuguesa. Os quatro poemas abaixo foram traduzidos pela arquiteta, poeta e tradutora Camila Assad.
Hitler invadiu a Polônia
(uma canção de amor)
Hitler invadiu a Polônia
com aviões, soldados e tanques
e não me atrevo a ligar
para o seu telefone fixo do meu celular.
Hitler invadiu a Polônia
sem se preocupar com o que o mundo iria pensar
já que tinha poder suficiente
para matar quem não estivesse de acordo
e não consigo decidir se te mando um e-mail
porque sei que essas coisas te impressionam.
Hitler invadiu a Polônia
no inverno de 1939
e não te visito porque está frio em sua casa.
Vou esperar até a primavera
e então pensarei melhor no que fazer.
Não quero ser exigente,
Não devo me permitir cruzar suas fronteiras.
Hitler invadiu a Polônia
massacrando tudo em seu caminho
e eu não te procuro no Facebook,
Eu não te procuro no Skype,
Eu não posso discar o seu número
Eu não consigo me decidir.
É sábado à noite e estou com saudades.
Confio nos meus poderes extra-sensoriais
e te envio sinais telepáticos
que magicamente te farão pensar em mim.
Hitler invadió Polonia
(una canción de amor)
Hitler invadió Polonia
con aviones, soldados y tanques
y yo no me animo a llamar
a tu fijo desde mi celular.
Hitler invadió Polonia
sin preocuparse de lo que opinara el mundo
ya que tenía poder suficiente
para matar a quien no estuviera de acuerdo
y yo no me decido a mandarte un email
porque sé que te dan impresión esas cosas.
Hitler invadió Polonia
en el invierno de 1939
y yo no te visito porque en tu casa hace frío.
Voy a esperar hasta la primavera
y entonces pensaré mejor qué hacer.
No quiero resultarte demandante,
no debo permitirme traspasar tus fronteras.
Hitler invadió Polonia
masacrándolo todo a su paso
y yo no te busco en Facebook,
no te busco en Skype,
no logro marcar tu número,
no logro decidirme.
Es un sábado a la noche y te extraño.
Confío en mis poderes extrasensoriales
y te envío señales telepáticas
que mágicamente harán que pienses en mí.
Tradutores
Diga a eles que te paguem em diamantes:
o colega e sua saudação apressada
enquanto milhares de palavras traduzidas
a um centavo de dólar cada
escorregavam como areia miúda
por aqueles relógios únicos e antigos
que eram todo o tempo de suas vidas.
Traductores
Deciles que te paguen en diamantes:
el colega y su saludo apresurado
mientras miles de palabras traducidas
a un centavo de dólar cada una
se escurrían como arena de minutos
por esos relojes únicos y antiguos
que eran todo el tiempo de sus vidas.
Fechadura
Peguei o caleidoscópio e a morfina.
Um minuto para olhar os quadrados azuis
na quartinho azul, as cenas marinhas;
uma trégua até que tomem o controle.
Agora sou eu o câncer, o inimigo interno,
a água que sobe até as bordas.
Tomara que aprendam a fechar a porta:
por dentro somente deserto e por fora o mar.
Cerradura
Me llevé el calidoscopio y la morfina.
Un minuto para contemplar los cuadros azules
en el cuartito azul, las escenas marinas;
una tregua hasta que tomaron el relevo.
Ahora soy yo el cáncer, el enemigo interno,
el agua que sube hasta los bordes.
Ojalá aprendan a cerrar la puerta:
adentro puro desierto y afuera el mar.
Inquilinos
A noite é uma guerra
mental. Sonho de noite com a noite,
com intrusos, batalhas invisíveis.
Na eterna fadiga, o dia é apenas
o sol que sustenta, imóvel.
O mate e seu ritmo: possuir o território,
ocupar a terra, suportar o ataque
marítimo do telefone e seu grito.
Olhar pela janela, não esperar nada,
Pagar a trincheira onde se agoniza:
o dia rasgado pelo desastre entre os livros.
No mero ser, o sangue se vai, a vida
se perde em ganhar o lugar onde nascemos.
Inquilinos
La noche es una guerra
mental. Sueño de noche con la noche,
con intrusos, batallas invisibles.
En la eterna fatiga, el día es sólo
sol que sostiene, inmóvil,
el mate y su ritmo: tener el territorio,
ocupar el terreno, aguantar el embate
marítimo del teléfono y su grito.
Mirar por la ventana, esperar nada,
pagar la trinchera donde se agoniza:
día arrancado al desastre entre los libros.
En el mero estar se va la sangre, la vida
se pierde en ganar el lugar al que nacimos.