Emília

Maria Luiza Machado

de longe

parecia uma mancha preta

na toalha de mesa

de perto

as moscas se dispersavam

enquanto ela chegava

carregando suas panelas pelo braço

o barulho do alumínio ressoando

pelo quintal pequeno

sentava-se com a galinha

recém-morta e depenada

jogada na caçarola

o barulho do pescoço quebrando

ainda ecoava em seus ouvidos

nem ligo mais, nem ligo

temperos cortados

dessa vez sem sangue derramado

e nenhum filete de dedo perdido

lenha acesa

água fervendo

sol esquentando

cachorro latindo

o universo pintado de verde

naquele canto

já quase esquecido

mais quarenta minutos

almoço servido.


Maria Luiza Machado é baiana de 1995, nascida em Feira de Santana, habitante da capital Salvador há sete anos. Publicou seu primeiro livro, Algumas Histórias sobre a Falta (edição da autora) em 2018 e, no ano seguinte, Todos os Nós, (editora Penalux, 2019). Idealizou, curou e organizou a antologia Corpo que Queima, que reuniu 41 poetas baianas também em 2019. É idealizadora e editora da Mormaço Editorial. Seu terceiro livro, Tantas que Aqui Passaram, está prestes a ser lançado com o selo de sua editora.

Ervilha vermelha

Jéssica Iancoski

Ontem me perguntaram se eu era uma menina

E eu não soube responder

Esse inferno de pergunta.

Não que eu não seja mulher —

Mais que isso

— É que eu sou tantas coisas:

Uma garota,

Uma amante

Uma gota,

Um semblante,

Um inverno

Um menino,

Um pingo

E um girino,

Um giro de roda

No vento leste que sopra

No ponto final em cada esquina.

Uma menina é pouca coisa

Quando eu sou tantas outras

Entre cada ervilha vermelha

Do interno do punho em meu ventre.


JÉSSICA IANCOSKI é escritora, poeta e artista plástica. Publicou em várias antologias e revistas. Teve o poema “Rotina Decadente” reconhecido pela Academia Paranaense de Letras. É idealizadora do Toma Aí Um Poema – o maior podcast lusófono de declamação de poesias, segundo o Spotify. Com mais de 36 mil ouvintes diferentes, ao longo do tempo.

Πύθων

Milena Martins Moura

é com certa frequência

pela manhã

que eu me devoro

os cantos das unhas primeiro

depois todo o montante de coisas bestiais que não deviam nascer

com certa frequência

enquanto a luz cresce no muro com figuras inventadas

me ponho ao espelho

a vomitar torturas

nasci com o açoite das entranhas

latejando entre a abominação

e a pelagem proibida

os ossos duros e outras durezas

como iminência

e expectativa

devoro assim os cantos das unhas para limpá-las

afiando a garra e os dentes

como quem imola o cordeiro

treinando a mandíbula para que tenha força ao se fechar


MILENA MARTINS MOURA é mestre em literatura brasileira e tradutora. É autora dos livros Promessa Vazia (2011), Os Oráculos dos meus Óculos (2014) e A Orquestra dos Inocentes Condenados (Primata, 2021, no prelo). É editora da Revista cassandra e integra a equipe de poetas do portal Fazia Poesia e de colunistas da revista Tamarina Literária. Sua poesia traz fortemente os temas do feminismo, da mulher autista e do neurocapacitismo. Instagram: @oraculos_dos_oculos.

Os dedos longuíssimos do tempo

Caio Girão Rodrigues

Todos os lugares que o tempo marcou,

com sua unha de abrir felicidades, apodreceram,

Todos os dedos do tempo,

dedos de fechar alegrias,

cresceram desproporcionais

ao pequeno corpo impotente do tempo,

Todos os olhos do tempo ficaram cegos

no instante em que paramos para pensar o que buscamos,

Todas as forças do tempo explodiram em desespero

quando entendemos quem somos

Caio Girão Rodrigues nasceu em Fortaleza, Ceará. Escreve há dezesseis anos, tendo publicado a novela Meus Escorpiões. Alguns de seus textos aparecem em revistas (como a Travessa em Três Tempos), jornais (como Diário do Nordeste e O Povo) e exposições (como a THMT-18 Rio). Pode ser facilmente encontrado participando de oficinas de escrita criativa. Atualmente vive no Rio de Janeiro, com sua esposa, Juliana, e seu cachorro, Demetrius.

Ela vive! Edição 4 da Revista Torquato

A edicão de outubro a dezembro de 2020 da Revista Torquato está disponível online para leitura. A edição foi contemplada pelo edital Conexões Culturais 2020 da Prefeitura de Manaus. O belíssimo trabalho de planejamento gráfico ficou por conta de Kato (@aanakato).

Essa edição também marca o aniversário de um ano da Torquato, feita de forma 100% voluntária por seus criadores em Manaus, Amazonas. O alcance e aceitação da revista ainda é motivo de espanto para nós, mas o espaço dado aos escritores e artistas visuais amazonenses e a oportunidade de ver esses trabalhos tratados com o mesmo cuidado e atenção dados aos artistas dos demais estados é o que nos deixa mais felizes nesse processo.

Todo trimestre a Torquato nos é motivo de briga e alegrias: como garantir que ela nunca seja sudestina? Que nunca deixe de ser nortista? Que sempre seja cada vez mais ofensiva às estruturas de poder dominantes numa sociedade injusta? E como equilibrar isso tudo no cotidiano dos trabalhadores simples que a produzem?

Responder essas perguntas durante a pandemia foi a prova mais difícil que essa publicação poderia ter passado. O ânimo, saúde mental e por vezes até a física duvidaram de sua continuidade. Afinal, qual o sentido de produzir e circular arte quando tantos sequer sobrevivem? Qual o impacto que a Torquato pode ter perante uma realidade avassaladora? A quem serve a sua circulação? E é por isso que o lápis de Maura Lopes Cançado surgiu na hoje tradicional citação ao fim da revista.

Talvez o avanço do obscurantismo, mesmo num cenário em que a reflexão e o bom senso deveriam falar mais alto, justifiquem algumas respostas das questões acima. E deixamos ao leitor o desafio de elaborá-las.

Daniel Amorim e Susy Freitas, dezembro de 2020.

Edição 3 da Revista Torquato

A Edição 3 da Revista Torquato (jul.set/2020) já está disponível ao público.

Nela constam prosas de: Alex Xavier, Daniel Amorim, Felipe Ribeiro Pires, Francisco Ricardo, Lucas Pistilli e Paloma Palacio.

Na seção de poesia, os selecionados foram: Adriane Figueira, Ana Luiza Rigueto, Angel Cabeza, Anna Apolinário, Anna Violeta Durão, Caio Vinicius de Lima, Diogo Mizael, Edinaldo Costa, Eduarda Vaz, Eduardo Reis, Elizza Barreto, Felipe Oliveira, Germano Xavier, Joatim, Lubi Prates, Paulo Monteiro e Ramon Carlos.

A tradução de Felipe Pinheiro Barreto  para um poema de Voltairine de Clayre também é contemplada nessa edição, assim como as ilustrações de Carol Veiga e Francisco Ricardo.

CLIQUE AQUI E LEIA A EDIÇÃO 3 DA REVISTA TORQUATO

A chamada de trabalhos para a próxima edição vai de 1 a 20 de agosto de 2020. Para mais detalhes, consulte a revista e nossas Diretrizes Gerais.

Boa leitura!

Edição 2 da Revista Torquato

A Edição 2 da Revista Torquato (abr.jun/2020) já está disponível ao público. Nela, constam prosas de: Alerto Bia, Lucas Tolotti, Otávio Ehrenberger, Ozeias Alvez e Susy Freitas.

Na seção de poesia, os selecionados foram: Adriano de Almeida, Arcângelo Ferreira, Débora Mitrano, Felipe Leal, Flávio Morgado, Jairo Macedo, Jeanine Will, João Henrique Balbinot, Julia Bac, Larissa Monteiro, Lorena Grisi e Zuza.

A tradução de Henrique Komatsu  para um ensaio de April Ayers Lawson também é contemplada nessa edição, assim como as fotografias de Paul Castro e Jeanine Will e o trabalho em técnica mista de Lisa Mangussi.

CLIQUE AQUI E LEIA A EDIÇÃO 2 DA REVISTA TORQUATO

A chamada de trabalhos para a próxima edição vai de 8 a 31 de maio de 2020. Para mais detalhes, consulte a revista e nossas Diretrizes Gerais.

Boa leitura!

Longa vida à Torquato!

Bem-vindos ao site da Revista Torquato, publicação trimestral de literatura luso-brasileira. A partir de outubro, traremos textos em prosa e poesia, além de traduções.

Para a nossa Edição Zero (out/dez.2019), os autores Nathalie Lourenço, Thiago Roney , Bruno Oliveira e Daniel Amorim contribuem na seção de prosa. Em poesia, temos os autores Priscila Lira , Márcia Kambeba, Paulo Monteiro, P. F. Filipini, Carlos Orfeu e Susy Freitas. O lançamento online será em outubro.

A partir da próxima edição (jan/mar.2020), aceitaremos envio de textos de quaisquer colaboradores, desde que sigam das DIRETRIZES da revista.

Boa leitura a todos!