Solange

Solange não gostava de sol, embora estivesse lá todos os dias, sentada naquela cadeira de plástico, em meio às plantas. Já não lembrava como foi parar ali e porque ali estava. Naquele horário, o sol não queimava, apenas aquecia. 

Ela poderia se levantar e voltar para dentro, mas ela não ia. Seu corpo não reagia. Não sabia como fazer isso, não sabia como se levantar e voltar. Para onde ela voltaria? Nem mesmo sabia onde estava, embora o lugar não lhe parecesse estranho. 

Conseguia ver os muros, o puxadinho, as plantas, sentir a faixa de sol de todos os dias, perceber a porta lateral. De onde ela sabia que alguém sairia, alguém viria e a levaria para dentro, uma hora ou outra. 

Era isso ou nada. Solange torraria ao sol. Sua pele já estava enrugada.

Ela conseguia perceber o que via. Entretanto, não sabia o que ficava para trás. Ela só olhava para frente, imóvel, sentindo o sol na pele, os braços no encosto da cadeira, os pés descalços no chão de cimento gelado, os olhos fixos. 

Não, Solange não sabia o que ficava para trás. Não lembrava mais. Estava ali, só. 

Mas ela sabia que não estava sozinha. Ela sentia. Atrás estava o portão, a rua. Contudo, ela não via. As pessoas que passavam dificilmente deixavam de notar aquela figura através das grades finas. Exposta numa manhã de sol fria. Esperando por algo. Ela, que já fora um sol um dia.


Alice Silva é de Manaus, Amazonas. Tem 27 anos. É graduada em Letras – Língua Portuguesa pela UEA, Universidade Federal do Amazonas, e mestranda em Letras e Artes, também pela UEA. Não vive mais de esperanças nem tem amor-próprio, mas ainda escreve. É uma das editoras da Revista Torquato.

Pinturas de Paulo Gersino


Paulo Gersino tem vinte e dois anos. Cursa Licenciatura em Artes Visuais na Universidade Federal do Amazonas (UFAM). Considera a experimentação algo essencial para que se possa descobrir cada vez mais e incrementar ao estilo. O processo criativo é relacionado a questões sentimentais; considera-se muito observador, “então retrato muito do que vê e o que sente ou já sentiu, seja referente a mim ou aos que me cercam; dessa forma eu traduzo meus sentimentos em imagens”.

Instagram: @paulogersino

eu não aprendi a caber

Eu cheiro a sujeira
 uma mistura de mijo, vômito e
                                                  homem
 sufocante             angustiante
 o zumbido constante da sala
 mal iluminada
 a viscosidade do líquido do copo
 em minhas mãos
 é claustrofóbica
 cada vez mais pior,
 paro de respirar
 meus olhos ardem
 a sala começa a girar
 e o gosto
 de sangue
 é sentido em minha língua
 o copo quebra
 a luz se apaga

SAM NINA é taurina, nascida em 1995 e acredita na importância do continuum lésbico. Questionadora da existência humana e de padrões de feminilidade. Tem poemas publicados no e-book Dossiê LiterAmazônicas (2021), Revista Ruído Manifesto (2021) e Coletânea Erótica: Versos Lésbicos pela Editora Tucum (2022). É uma das editoras da Revista Torquato.

geologia

para Guilherme

primeiro o ar tímido —
depois a geologia do riso,
guiado por dois recôncavos,
e a voz rútila que lembra,
assim de relance puro,
o clarão depois da chuva.
é desejo pôr os pés áridos
na praia encharcada e vasta,
sem medo algum das prisões
que ameaçam as pegadas.
da boca se vê uma concha 
que talvez guarde no íntimo
as pérolas de um instante
preso na fotografia.
da pele surge o calor 
da massa mole, pão fresco
aos fins de tarde com gosto
de palpitação discreta.
o toque no outro chama 
como canoa no mar 
o vento por toda coluna:
“explore os meus continentes”.
não há medo do naufrágio,
cataclisma, seca infecunda,
se a geologia do teu corpo
refaz sob caracóis do peito
a recriação das coisas.


Douglas Laurindo mora em Manaus (AM). É professor de língua portuguesa, escreve, edita e se dedica à pesquisa. O poema acima integra o livro O limiar das fendas, a ser publicado pela Editora Urutau. É um dos editores da Revista Torquato.

III

Epiderme de argila

O insistente marrom do cedro africano  

Esta cor de fim de céu     a oeste

Areia de siena queimada/o vermelho que

se esconde — a argila a ferrugem   a forma

Pátina sobre a face dos antepassados

O chão da estrada

O pó que persegue pneus e se cansa

A argila das sandálias

A meia de poeira do andarilho

até os joelhos

Argila ao redor dos olhos

Íris de mel silvestre

A forma que trai o olhar

O céu de zinco fundido

A teoria dos sistemas tangentes

A libido dos sistemas

A dízima periódica das formigas

A reticência numérica da vida

Há poemas à revelia

e histórias para “tirar de tempo”

O sertão é um conto de cem arremates


Wellington Amancio da Silva é sertanejo nascido e criado no interior da Alagoas. Professor da rede pública, músico e mestre em Ecologia Humana. Publicou livros de ficção e de ensaios em lugares interessantes. É membro da equipe editorial da Revista Utsanga — Rivista di critica e linguaggi di ricerca. Fundou as Edições Parresia em 2019. É cofundador do Grupo Arborosa de literatura e arte, juntamente com Leo Barth e Mayk Oliveira. Destacam-se os livros, Figuras da indiferença (2019), Gumbrecht leitor de Martin Heidegger (2020), o reneval (2018), Primeiros poemas soturnos (2009), Apoteose de Demerval Carmo-Santo (2019), Os outros, sertão de argila escura (2021).

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Instagram: @wellington_amancio_fotografia/

Polinização

a flor não sonha com a abelha
ela
apenas floresce
e a abelha
aparece
sempre fora assim
uma pequena
semente
prende-se
na terra
querendo vida
a operária
desde cedo sabe
sua funcionalidade
brotar requer certa força
não apenas esperança
se assim fosse
o mundo
bom seria
e nenhuma abelha
trabalharia
dias árduos
sabe pouquíssimo a flor
por que precisa
da bendita abelha
que de grão em grão
mantém
cultivada
e fecunda
a espécie humana


Débora Bacelar nasceu e mora em Manaus, Amazonas. Tem 24 anos, é profissional da área de Letras – Língua e Literatura Portuguesa e pesquisadora no âmbito literário. Tem poemas e contos publicados em revistas como Ruído Manifesto e Mal de Ojo (2021) e em coletâneas como LiterAmazônicas (2021). Escreve, pois acredita na transformação por meio da palavra e, além disso, busca expressar o não dito nas estrelinhas da poesia.

Não há nada pesado em meu coração

Mãe dos deuses

Mãe do tempo

O que está pesado é o que mora em minha mente

O que está pesado mora em minha mente

Dentro da consciência

Meu coração é leve, nuvens rosadas de um domingo

Fora da minha onipotência

Não posso controlar o tempo em minha volta (deusas não são capazes de tudo?)

Não posso controlar o tempo em minha volta

Deusas não são capazes de tudo?

Fora do que há de mais poderoso e imortal dentro de mim

Como uma galáxia se expandindo em si mesma

Explodindo as estrelas que me habitam

Eu sou fraca

O que está pesado mora dentro da minha mente

Pesado demais para que me mantenha em pé

Fraca, ninguém

Nada

Pesado demais para que me mantenha em pé

O que está pesado mora dentro da minha mente

Mas deusas não carregam tudo em suas costas?


Sindell Amazonas tem vinte e um anos. Amazonense, manauara. Cursa Letras – Língua Portuguesa na Universidade do Estado do Amazonas. Trabalha com revisão e preparação de textos.

Camas

Por que fazer promessas secretas a pessoas impossíveis? Desde o berço até esta calçada suja, úmida e fria, o que me antecede o sono é a nítida consciência de que o inferno está à espreita. Esse segundo que precede o sono é como nascer para a morte. Cabe tanto infinito nesse tempinho curto, tanta coisa se passa. Alcançamos, dizem os artigos científicos, estados transcendentais de compreensão. E esquecemos. Assim como vamos esquecer nossa própria morte depois de morrermos.

Nunca gostei mesmo de travesseiros e lençóis, sempre fui de dormir pelado, de resistir ao frio, encolhendo-me, recusando as fronteiras de cobertas e agasalhos. Uma geografia mais íntima. O contato com o ar. Isso é coisa de criança. E a infância tem esse cheiro de pano molhado de suor antigo, mofo e água sanitária. A infância para mim é aquela salinha da creche, em que as tias costumavam me levar depois do banho, esfregando a toalha pelo meu corpo, depois seus peitos, e às vezes fechavam a porta, tiravam também as roupas, oferecendo os seios imensos, como se fosse um presente, passando a mão por lugares que sequer eu tivera tempo de mapear. Elas riam. Eu lembro dessas risadas com precisão. A merda é que quanto pior tá a coisa mais esses momentos me visitam. Quanto mais escuro, mais risadas. É terrível ficar com os olhos encharcados no meio do dia, ter que engolir as lágrimas para não me manchar.

De repente fico rindo à toa sem saber por que, e vem a vontade de sonhar de novo, te encontrar. As reminiscências da tua voz rouca, no último instante de consciência acordada, me agasalham mais do que qualquer pano. No exército a gente dormia em tábuas, lembra? Insistiam em chamar aquilo de cama, nos obrigavam a deixá-las arrumadas, ainda que não fossem mais do que farrapos podres, nos quais se entranhavam baratas, moscas, formigas. Preferíamos dormir no chão, mas era proibido. Acho que sempre gostei de dormir no chão. Naquela época que fomos morar juntos dormimos no chão por quase um ano. Apesar de tudo o que os médicos dizem, dormir no chão nos bota num estado etéreo.

As camas, eu acho, são mesmo feitas é para guardar tempo, guardar secreções, movimentos, como um palimpsesto imperturbável daquilo que não se escreve. Uma boa rede, você sabe, é mais confortável do que qualquer cama. Mesmo aquela king size que comprei com todas as economias. O tamanho dela era só pra guardar as histórias de tanta gente que passava por mim. Houve semanas que, terrivelmente, eu pensava nas pessoas como pratos num cardápio. Semanas que transava com mais de dez pessoas. E ficava o cheiro impregnado. Aquela cama guardava mais do que nomes ou sono. Um registro preciso das horas e sensações. Debaixo dos lençóis havia mapas de líquidos. Toda cama que se preze tem desses mapas por baixo da lisa superfície visível. Ilhas de gozo e dor.

Eu queria escrever poemas a um você genérico, mas sempre acabo escrevendo a você. Sempre acabo pensando em você. Nos últimos dias tenho sonhado com nossas conversas sobre sonhos e pesadelos, sobre como seus sonhos eram tão inventivos e cheios de significado, enquanto os meus eram como lembranças terríveis e assombradas, às vezes lembranças de um futuro óbvio inevitável. Por que você não me visita para seus sonhos?

Eu queria pedir desculpas, queria poder chorar no colo da mamãe e ficar emburrado por ter meus segredos revelados. Minhas palavras estão presas na sarjeta. A única ponte que consegui construir entre essas ruas e uma vida apresentável é uma ponte falsa. Caminho sobre mentiras. Minha cabeça rodopia, rodopia e, invariavelmente, volta para aquelas tardes úmidas na creche, minha boca cheia de partes das tias, minhas mãos imobilizadas, minha culpa de criança idiota. E é como se você estivesse lá e aqui, no inferno e na sua representação.


Caio Girão Rodrigues nasceu em Fortaleza/CE. Escreve há dezesseis anos, tendo publicado a novela Meus Escorpiões (disponível na Amazon). Alguns de seus textos aparecem em revistas (como a Travessa em Três Tempos e a Torquato), jornais (como Diário do Nordeste e O Povo), exposições (como a THMT-18 Rio) e coletâneas (como o selo Off Flip). Pode ser facilmente encontrado participando de oficinas de escrita criativa. Atualmente vive no Rio de Janeiro com sua esposa, Juliana, e seu cachorro, Demetrius.

Instagram: @caio_girao

Morro-não-morro

Se não fossem as unhas de Ana, quando ainda recém-nascida, alcançassem o rosto para fazer arranhões vermelhos, desses que ninguém sabe a origem porque é uma pequena gente sem muito o que falar. Se não fossem as mordidas, mesmo sem dentes, nos peitos da mãe toda vez que mamava. Se não fosse o choro de Ana nas madrugadas, se não fosse aquele banho todo cheio de não-banho. Se não fosse nada disso, a vida de Ana poderia não ser um “morro-não-morro”.

É que a vida da gente, mesmo sem as lembranças, elas deixam marcas. Ana nem sabia como era recém-nascida, não se lembrava do trabalho que dava pra mãe. Pouco menos, sabia que podia deixar a mãe em estado de depressão. E, mesmo sem querer, nessas encruzilhadas das experiências, a menina fez.

Márcia, a mãe de Ana, mesmo querendo um “morro-não-morro” , cuidava. Cuidava não porque cuidado é de outro jeito. Márcia tentava. O balbucio do nascimento tornou Márcia na mãe que num sabia ser mãe. Mas quem sabia? Parecia que toda aquela gente cheia de conselhos maternos conhecia a maternidade. Márcia não. Pra mulher, com o peito já caído e a pele enrugada, nunca conseguiu ser a mãe que as outras mães queriam que ela fosse.

Ana desenvolveu o amor de filha por Márcia, Márcia quase devolveu esse amor. Se não fosse por um tiquinho de “morro-não-morro”. Ah, se esse elo entre as duas pudesse ser mais forte.

A voz de Márcia tentando cantar pra Ana a fazia chorar mais ainda. O alimento do peito de Márcia para Ana fazia Márcia não desejar nunca mais a menina. A voz e o peito da mãe. O choro da filha. As duas não queriam estar ali, as duas queriam fugir. Ana sem saber ou conhecer essa palavra, queria tá longe. Longe da mulher que não suportava seus choros. Márcia, por sua vez, até queria Ana por perto, mas só quando a menina tratava de dormir porque aí ela esquecia das existências da vida.

Ana cresce, Márcia envelhece. Tudo se distancia. Ana não precisa mais daquele leite. Márcia não precisa mais colocar Ana pra dormir. Essa foi a sorte do não morrer das duas. No embalo desse espaço num tinha hora pra conversa. Foi tanto choro que Ana e Márcia queriam viver era mesmo no silêncio. Era preciso ir se acostumando com bocas caladas. Márcia, que mesmo com o marido que não era pai, preferia ficar quieta e não lembrar da maternidade. Ana, aprendeu a ser igual a mãe. Calou-se. Não entendia o motivo, mas calou-se.

A menina já com 10 anos não sabia pronunciar nenhuma palavra. “Sua filha ainda não aprendeu a ler, é a mais atrasada da escola, a menina quase não fala”. Márcia consentia sem dizer nenhuma palavra. Conversava com a filha não, como a menina podia escrever algo se nem palavra conhecia?

Márcia, sem saber, queria que a garota conhecesse o menos possível dessa sobrevivência. É que essa mulher cheia de dor da maternidade – quer dizer, maternidade não, tortura – não queria que a filha soubesse do sofrimento que era querer saber de tudo. Precisa saber palavra não, precisa saber o que é filho não, precisa saber o que é casamento não. Todo mundo vai morrer. A gente só tem que esperar a nossa hora e pedir pra sofrer menos, falar menos, viver menos.

Na inércia da vida, essas duas mulheres se conheciam e se abraçavam. Na Terra, com tudo girando, elas se distanciavam.

Marido não. Pai não. O homem era mais o homem de rua, desses que sabe viver mais do que qualquer um. Márcia olhava pras palmas da mão, queria era se estapear pra ver se assim morre. Ana olhava no espelho e via que da barriga enorme de tanto comer de nada saia, nem palavra, nem choro, nem amor. Já o sujeito – que deveria ser pai – falava e falava muito. Falava de dor. Cachaça que no dia seguinte virava dor de cabeça. Dor de cabeça tratada com silêncio por Ana e Márcia.

As duas, já mulheres, sabiam que o único ato de amor que as uniam era a boca calada e a alma cheinha com o peso das palavras. Dava não. Ana, sem saber, sabia do que fez com a mãe. Márcia, sem querer, sabia que a filha não teve culpa pelo sofrimento de parir alguém. O silêncio do sono, das duas juntas. O silêncio. Esse silêncio que tanto tem pra falar era o que fazia de Ana e Márcia as mulheres resignadas.

É que Márcia não esperava, não estava preparada, mas não era só na hora do parto que a dor de ter filho se difundia. Era também depois. E depois. Ninguém a ensinara o que era maternidade compulsória. Ana não esperava logo sair pelas entranhas dessa mulher que pouco se conhecia.

Ninguém conhece ninguém. Todo mundo conhece o medo. Principalmente a dor. Ah, mas essa, elas sabiam muito.

Ana tinha mãe não. Também não tinha pai. Márcia não tinha filha não e nem marido. Tudo o que se tem na vida é a família que se constrói não. Essa construção não cabia em Ana, Márcia e o não-pai e não-marido. Isso não era família não. Mas também era porque um herdou do outro o silêncio de muito sofrer.

Márcia queria era morrer e não viver nesse “morro-não-morro”. Queria que Ana e o não-marido também morressem. Escutou tanto, quando criança, que o céu é o dos melhores lugares que queria partir era pra lá.

A família que não era família só conhecia o varal cheio de roupa, o homem cheio de cachaça e a casa cheia de nada, nadinha. Tão nadinha que aos poucos se formando um buraco ali na casa. Buraco mesmo, desses que a gente cai e se não é salvo por alguém morre pra sempre lá, no escuro, embaixo da terra.

Era deus escutando Márcia. A mulher queria morrer, pois que fosse logo pra ser consumida pela terra. Mas nem isso ela conseguiu. Buraco baixo demais pra morrer. Fundo demais pra viver muito tempo.

“Pois, mãe, trate de cavar mais aí esse buraco”, foi das poucas frases que Ana dirigiu à Márcia. Se viver é ficar calada aguentando e se escapando de sofrimento, que seja de um lugar bem lá debaixo. Ninguém as via, ninguém as queria enxergar. Mas uma coisa que não explicaram pra elas: mulher é vista não. Mulher é boa calada. E Ana e Márcia cumpria mesmo o papel que os outros queriam.

Quando ouviu a porta batendo, sentiu o homem entrar. Nesse momento, Ana e Márcia se enfiaram naquele buraco. Agarraram-se. Ficaram juntas. Num queriam mais essa vida não. Num queria nem ver cara de homem ou de qualquer outra pessoa. Ali, naquele buraco, que nem eco fazia, as duas esperavam a morte como sempre fizeram.

Márcia com a pele enrugada de tanto sofrer. Ana com a pele macia do tanto riso preservado. No buraco da vida das duas, as bocas caladas se uniam, a descoberta do que era ser mãe e filha nascia. Então é isso: ser mãe era acolher o sofrimento da filha, ser filha é suportar o sofrimento da mãe.

E quem vai dizer pras duas que, mesmo sem falar, elas já sabiam muito da vida?


Andriele Moraes tem 25 anos. Pernambucana residente em São Paulo, é jornalista e uma das criadoras do grupo de leitura e podcast “Clube do livro feminista”.