Ralo

os esgotos que fogem das estações de tratamento
escorrem pelas goteiras de meu conjugado

o rio tem medo de desaguar

o país está em chamas
mas as centrais de ar trabalham incansavelmente
para disfarçar o calor
alguns têm o ventilador arno e as liquidações
em todo o setor de frios do supermercado
e eu tenho a umidade das notícias
eu tenho os mesmos canais

uma música antiga diz que
o novo sempre vem
mas eu tenho certeza que isso não envelheceu
muito bem
os velhinhos nas portas de suas casas
na verdade nunca
tentaram vencer a sujeira das ruas

eu tento furar a greve de ônibus
para encontrar minha dignidade
eu tento não chorar no banco de passageiro
de um motorista de aplicativo
ele se alimenta de balas e esperança
e me oferece desculpas que não sejam tentar
o olhar impiedoso dos caixas eletrônicos
e você
a verdade nas filas de prioridade
e você
a mensagem não escrita
e você

e o país
parece que vai haver uma guerra
o hino nacional mais alto que a música pop
bandeiras mastercard
e velhinhos armados finalmente
mas não é de bom tom
combinar verde
amarelo
e sangue
e nem se esconder no trabalho
afinal meu chefe disse que as coisas
vão melhorar a partir de agora

uma grande onda invadiu a cidade
mas ninguém olhou pela janela
pra confirmar se era rio
ou goteira
e assim os bairros mais pobres
foram dizimados ou convertidos
em investimentos
enquanto trabalho

e no caminho de casa
aprendo a ignorar a previsão do tempo
porque ele nunca passa
e nunca chove por aqui
apenas inunda
e pedir a proteção do cadeado do portão
e da boca aberta no noticiário
que também tentam
descansar
no lugar do motorista

uma palavra
nada

para o país


André Piñero é professor por formação, poeta por tentativa e inúmeras outras ocupações por sobrevivência. Teve um poema publicado na “Coletânea de Poesias Prêmio Sesc de Literatura Carlos Drummond de Andrade”, Edição 2018, do Sesc do Distrito Federal. Lançou seu primeiro livro, “Copo americano”, pela Editora Urutau em 2021. Até então, a única coisa mais próxima de literatura que escreveu além destes poemas foram boletins de ocorrência policial quando trabalhou em uma delegacia de periferia. Nasceu em 1987 em Belém do Pará. Atualmente reside na capital do Amazonas, Manaus.

Instagram: @66ndre

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