Sem título

I

todos os dias me posto

em frente ao espelho

sorrindo os dentes e dizer

que finalmente aprendi

⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀o meu próprio fracasso

II

todo bom fracassado no início:

faz uma justaposição, uma espécie de mosaico

⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀que às vezes tem cara de algo

⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀ que precisa ser concebido e não

⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀pode

⠀⠀⠀ não daquela maneira, por motivos x y z

⠀⠀⠀ como a necessidade de se ter um novo

⠀⠀⠀ um sutiã;

⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀espera-se que um sutiã caro

⠀⠀⠀ apareça na cama, de repente

⠀⠀⠀ignorando-se a dor de cabeça

⠀⠀⠀para se obter um de maneira [ honesta ]

III

o bom fracassado nesse momento

torna-se péssimo fracassado; passa a

dividir fragmentos de si pela sala

e pela cama, por onde passa

há sempre um

⠀⠀⠀doppelganger

evitamos espelhos e

fazemos isso tão bem que passamos

a ter um novo senso de consciência

àquele que se vive em sonho só se pode

viver em sonho; ainda que o sonho apareça

pelos lugares como espinhas borboletas

mariposas fragmentos de insetos que não

identificamos

aprendemos a esconder, assim, como coisas que não tem lógica e esquecemos enquanto elas estão ali;

são grandezas irrelevantes

IV

o sonho é uma vida que poderia caber

dentro do Romance mas ela não cabe

numa estrutura

a vida real é outra coisa, bem

às vezes a vida real nos tira um pouco o pedaço

de sonho que ainda tenho em minhas mãos

V

insisto nele quando uso decote, sutiã, maquiagem e outros artifícios que me lembrem

da minha condição

e é aí que o sonho se torna

⠀⠀⠀ [ espalhafatoso ]

como confete atirado ao chão em momentos

inoportunos; e o sonho passa a desistir

do próprio sonho por não aguentar

o excesso de narrativas

ilusórias

⠀⠀⠀há um limite para tudo, não é?

[ eu não desisti dele porque ainda me limito

ao direito dele; assim mais fácil de lidar com espelhos ]

VI

talvez isso me: torne menos humana

e mais alguém para ser referida em terceira pessoa

algo assim

não me recordo o caminho;

⠀⠀⠀

⠀⠀⠀⠀há tantas coisas das quais não me recordo

⠀⠀⠀que quando me lembro, um flash

⠀⠀⠀ também lembro do que é vital

⠀⠀⠀lembro que

⠀⠀⠀sonhar é outro nome para remenda

⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀ e outra utilidade para o fracasso;

⠀⠀⠀os bons fracassados se tornam bons

⠀⠀⠀quando aprendem

⠀⠀⠀a contar sonhos dentro de um Romance.

LAURA REDFERN NAVARRO (2000) é uma matryoshka em reinvenção. Poeta e jornalista, escreve poesia, ensaios e literatura híbrida. Laura cursa jornalismo na Faculdade Cásper Líbero, é editora da Revista Ensaio e integra a equipe de poetas da FaziaPoesia. É dona do projeto literário multiplataforma @matryoshkabooks.

Deixe um comentário

Preencha os seus dados abaixo ou clique em um ícone para log in:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Imagem do Twitter

Você está comentando utilizando sua conta Twitter. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s