há tempos deixei de ser caubói
deixei de ser herói
há tempos redesenho a nossa saída
pela porta de zinco da última casa velha
a casa que nos alertava
sobre os pregos enferrujados as bombas nucleares os torturadores os falsos profetas
sobre os mocinhos e o sorvete de creme
derretendo no calor acrobático do fim
e quando subo na última árvore existente
já não há mais nenhum decreto
nenhum homem
nenhuma faca
nenhuma raiva entre os dedos:
vejo eu e você
caminhando
olho para o céu rosa rodeado de urubus
mapas indecifráveis nas mãos sujas de areia
fracassos germinando lentamente nas plantas dos pés
desertos gritando à nossa frente
sintetizadores macerando os tendões
por que ainda toca aquela música sobre a possibilidade
de um caminhão de dez toneladas nos atropelar?
nesse momento eu te ofereço a minha fruta
a última
para você cravar a língua dentro dela
para matar a nossa fome vermelha
para dizer alguma coisa que não cabe numa garganta cheia de sementes:
há um apocalipse no buraco negro dos seus olhos
me levando.
LUIZ HENRIQUE SOARES nasceu em Jaboti, Paraná. É doutorando em Letras pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Possui textos publicados em diversas revistas literárias brasileiras. Atualmente vive em São José do Rio Preto.