Os paetês de minhas mães

Caio Girão Rodrigues

Nascer em um cabaré. Crescer em meio a mulheres. Porque nas prostitutas, antes de ver peitos, bundas e bocetas – e confesso que só soube muito tarde em minha adolescência o que era cada uma dessas coisas -, qualquer criança vê apenas gente (mulheres). Porque por muito tempo essa foi minha ideia de gente: mulher.

Ficava horas a ver a gente a se maquiar, a escolher blusas, camisolas, colares, saltos. Calcinhas e sutiãs eram raríssimos. Elas tinham cabelos inalcançáveis, obras de mãos habilidosas. Homens eram tão somente vultos aos quais nunca dediquei demasiada atenção, peças passageiras daquele motor que foi minha casa e infância. Lembro de conviver muito próximo à sede e à fome – constantemente ficávamos sem água e a comida não durava por muito tempo diante de bocas tão famintas. Era preciso caminhar duas quadras rua acima, até a casa de Dona Aninha – que me recebia sempre com um generoso copo d’água e um pote de restos de comida (nunca comi nada tão delicioso). Não refletia sobre isso então, mas hoje carrego a certeza de que ela era minha melhor amiga.

Todo mundo guarda os cheiros da infância, dos que mais lembro são: o inconfundível cheiro da cozinha de Dona Aninha, a mistura de pó de base com bafo de whisky e o mofo cultivado sob as camas de cada quarto da casa.

Engraçado viver tão perto do sexo e só formar a ideia de sexo na leitura dos livros eróticos ou de biologia. Não soube, até meus dez ou onze anos, que todo mundo tem pai e mãe – e o sexo é pressuposto da existência. Chamava todas aquelas mulheres de Mama, nunca me ensinaram seus nomes (sabia um ou outro nome de guerra, mas nenhum verdadeiro) tampouco me apresentaram a minha verdadeira mãe.

Minha ideia de mundo é algo entre a poeira dos livros e o gemido das putas.

Como naturalizar a ideia de pênis assim? Olhava para isto no meio das minhas pernas e me perguntava por que a minha piriquita era tão estranha e feia. Pelo menos todas me resguardaram daqueles porcos que lá iam para esquecer seus trabalhos, suas famílias, suas vidas. Quantos tinham filhos e filhas da mesma idade que eu?

Quando me dei conta, o que eu queria descobrir mesmo não era minha mãe, mas meu pai. Ficava do lado de fora da casa observando os homens que entravam e saíam, me perguntando: “qual desses filhos da puta é meu pai? qual merece morrer?”. A profusão de cheiros, pessoas e ideias – atmosfera melancólica da minha infância – tornou-se puro asco na minha adolescência.

A única resposta possível foi fugir (exatamente de quê ou de quem?).

Em todas as tentativas de amar, busquei um outro eu em outros homens. Herdei a ideia de ser só mais uma que, de pernas abertas, aguarda o macho maior te foder. Engoli muita porra até aprender que meu tesão sempre residira no desejo de alcançar a força imprudente das minhas mães. O meu desconforto morava em mim, neste maldito e horrendo pênis.

De novo a resposta foi fugir.

Eu, agora mulher, por muito tempo busquei a reconciliação com aquela criança que, no primeiro passo, não recebeu aplausos, que, ao dizer a primeira palavra, não viu sorriso qualquer. E só me reconciliei nesta única foto que carrego: um bebê, com sua chupeta, se apoia numa cesta de lixo e observa as mulheres nuas ao seu redor, dentro de um camarim. Tantas vezes me perguntei se alguma delas seria minha mãe, sem questionar quem seria a fotógrafa.


Caio Girão Rodrigues nasceu em Fortaleza (CE). Escreve há dezesseis anos, tendo publicado a novela Meus Escorpiões. Alguns de seus textos aparecem em revistas (como a Travessa em Três Tempos), jornais (como Diário do Nordeste e O Povo) e exposições (como a THMT-18 Rio). Pode ser facilmente encontrado participando de oficinas de escrita criativa. Atualmente vive no Rio de Janeiro, com sua esposa, Juliana, e seu cachorro, Demetrius.

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