Lorraine Ramos Assis
o formigueiro é uma eterna
esfera de moureja
de um trabalho penoso de organização hierárquica
pequeninos animais que se sacrificam
em prol de uma rainha, uma autarquia de
uma terra para cair morto
com o adiamento do prazer, a espécie acumula meios de sobrevivência
para servir
à uma matéria orgânica que ilusoriamente pensam recriar
dizem que nossa relação é funcional apesar de meu encarceramento
cerceamento de minha autonomia para fisgar
um símbolo monetário de autossacrifício
como uma formiga mártir
remodelando o mundo, mas sem devida liberdade
pois você me encarcera
na estrutura arquitetônica
que criei, remodelei e destruí
para cuspir na terra agora improdutiva
‘’cuspir no prato em que comeu’’
em poucos meses estarei com meu caminho semi-pavimentado
da abundância que almeja a falsa liberdade, mas apenas
readapta a insegurança de uma terra para cair e me sepultar
igual no dia em que eu sentei no formigueiro,
comi suas formigas após deixar
minha saliva em suas antenas
(sempre tão atentas, iguais a você)
e as rasguei
como uma criança sádica,
criança pentelha
criança do tipo humano inseguro,
algo inerente ao seu desenvolvimento
eu destruí o formigueiro em que tanto coloquei meus esforços comensuráveis
fui contra o espírito do autossacrifício para um fim admirável, porém ilusório
de uma relação funcional
diferente das formigas, sabotei tudo
não lavei o prato em que as matei
e cuspi
LORRAINE RAMOS Assis é uma artesã do caos. Nascida no ano de 1996, no período do grunge, escreve para tirar a sociedade da inevitável zona de conforto. Estuda Sociologia, na UFF. Publicou nas revistas Diversos Afins, Ruído Manifesto, Aboio, Vício Velho e Subversa. Integrou na antologia Ruínas, da Editora Patuá.