Beatriz Rocha
oliver me contou que os livros estrangeiros ao fundo da fotografia
pertencem a um amigo de seu irmão que foi morar na ásia
na hora, não perguntei
mas depois fiquei a pensar:
não tinha outro lugar para deixar os livros?
um quarto vago na casa da avó
uma casinha perdida de algum parente no interior?
é claro, ninguém vai-se embora e continua a pagar aluguel
apenas para ter onde guardar livros
deve ser bicha
é claro
deve ser bicha desterrada e desgeografada
como eu
com os livros de lá para cá
mudanças de cidades, estados e países
e sempre os livros de lá para cá
perdidos no fluxo do mundo
como nós
que somos bichas desterradas e desgeografadas
sem quartos vagos nas casas das avós
sem casinhas perdidas de parentes do interior
bichas, bichas, bichas
mil vezes bichas
bicha lacrimosa
bicha intrometida
bicha arrogante
bicha instruída
onde deixar os livros quando em dublin?
como transportar os livros novos de minas para são paulo?
(qual o limite de bagagem de um ônibus interestadual?
será que alguém topa me dar carona e levar tudo?
quantas caixas serão necessárias para encaixotar tudo o que sou?)
como recuperar os livros sequestrados no interior?
para isso, nos unimos
nós, bichas
fazemos nossas próprias caixas e limites de bagagens
nos livramos à contragosto de sequestros de livros
certidões de nascimento e sanidade mental
nós, bichas
desenhamos nossa própria cartografia
desgeografadas de um país imaginário ao qual nunca pertencemos
BEATRIZ ROCHA é historiadora formada pela UNICAMP e escritora em trânsito entre São Paulo e Minas Gerais. Tem experiências em educação popular, curadoria de artes visuais e consultoria cultural. Já publicou poemas e contos na Revista Desvario, Revista Toró e Antologia Subsolo. A Mulher Grande (Editora Urutau, 2021) é seu primeiro livro.